sábado, 13 de outubro de 2012


Liberdade

Creio que antes de se conquistar liberdade, é preciso primeiro acreditar que ela existe. Depois, e como, de que maneira alcançá-la? É fruto de conquista pessoal ou coletiva? Acho que desenvolvi certas habilidades que, aos poucos, vão fazendo com que me sinta mais livre. Explico-me.
Mais livre porque vou conquistando sabedorias e crescendo pessoalmente a partir delas. Tudo é sedimentar e paulatino, tem um tempo e uma maturação. Se já não somos mais seres naturais, nossas raízes pelo menos continuam fincadas no chão. Como o vinho que tem um ponto de excelência e daí vira vinagre; como qualquer fruta que tem seu pico de doçura muito próximo ao de deterioração, assim vamos nos constituindo. As contingências decompõem todos os planos. Há um pensador que afirma que planos de homens são parecidos com vômito de ratos. Mas de tudo colhemos a essência, o prazer, a arte, o engendramento, em suma, a idéia. E esse é todo material que carecemos para nos desenvolver.
Acredito em liberdade como expansão do ser. Somente quando li Paulo Freire pude entender. Ele diz, em outras palavras, que quando a pessoa apreende o código de comunicação da sociedade humana, faz uma releitura dessa sociedade. Foi o que se deu comigo. Na medida em que empreendi aprendizado, fui ampliando horizontes, respondendo questões, lendo e entendendo melhor a vida.
Exemplificando: possuía preconceito profundo contra polícia. Não gostava de polícia, nem bombeiro escapava. Eram meus inimigos pessoais, enquanto instituição. Desde muito pequeno vinha apanhando dessa gente, para poder raciocinar. Preconceito tem sua raiz na falta de capacidade de raciocínio de sua vítima. Sim, vítima porque preconceito faz sofrer barbaridade. Ódio é dor contida. Estava com 14 anos de idade quando me penduraram pela primeira vez no pau de arara para me torturar. Há essa época já era rotina bater em mim sempre que podiam. Vivi quase toda minha vida na mão deles, sem poder de autodefesa algum, sempre à mercê e à disposição para que fizessem o que quisessem comigo. Nunca tiveram qualquer consideração pelo fato de eu ser humano como qualquer um deles. Ainda agora, pelo fato de haver sido preso, se me param tenho que dar explicações e elas podem não serem bem aceitas.
Quando minha mãe morreu e eu ainda preso, me assustei. Era recém casado (casei e descasei ainda preso) e minha companheira tinha Renato, meu primeiro filho, com 10 meses ainda. Ela era frágil, recém chegada do interior da Bahia e o bairro em que moro estava pegando fogo. Justiceiros, traficantes e ladrões disputavam o espaço. As pessoas estavam sendo mortas ao saírem na porta de casa. Também eu quis que as leis e a polícia protegessem minha pequena família. Estava impossibilitado de olhar por eles. Só então pude entender, de coração, esse engano pessoal e me libertei de mais esse preconceito. Percebi que a gente não deve ser contra a instituição policial por conta dos maus policiais. É necessário que sejamos a favor, mas fazendo parte. Atentos, criticando o que esta errado e exigindo, cobrando: punição, correção e acertos.
Essa releitura ajudou a firmar minha cidadania, meu compromisso assinado com a coexistência social. Eu havia me libertado de um preconceito e todo preconceito é limitador de vivências. Havia me expandido pessoalmente. Apreender é tomar posse de conhecimentos que nos levarão para além do que somos. E desse aprendizado restou a idéia de que para expandir é preciso conhecer e para conhecer é preciso entrar no jogo. Liberdade é sim processo coletivo; é preciso fazer parte. Somos o que apreendemos e apreender é expandir, libertar-se de ignorar. Sou todos que fui em camadas sobrepostas e que não há limites à minha expansão e portanto à minha liberdade.
                                             

Nenhum comentário:

Postar um comentário