Liberdade
Creio que antes de se conquistar
liberdade, é preciso primeiro acreditar que ela existe. Depois, e como, de que
maneira alcançá-la? É fruto de conquista pessoal ou coletiva? Acho que
desenvolvi certas habilidades que, aos poucos, vão fazendo com que me sinta
mais livre. Explico-me.
Mais livre porque vou conquistando
sabedorias e crescendo pessoalmente a partir delas. Tudo é sedimentar e
paulatino, tem um tempo e uma maturação. Se já não somos mais seres naturais,
nossas raízes pelo menos continuam fincadas no chão. Como o vinho que tem um
ponto de excelência e daí vira vinagre; como qualquer fruta que tem seu pico de
doçura muito próximo ao de deterioração, assim vamos nos constituindo. As
contingências decompõem todos os planos. Há um pensador que afirma que planos
de homens são parecidos com vômito de ratos. Mas de tudo colhemos a essência, o
prazer, a arte, o engendramento, em suma, a idéia. E esse é todo material que
carecemos para nos desenvolver.
Acredito em liberdade como expansão do
ser. Somente quando li Paulo Freire pude entender. Ele diz, em outras palavras,
que quando a pessoa apreende o código de comunicação da sociedade humana, faz
uma releitura dessa sociedade. Foi o que se deu comigo. Na medida em que
empreendi aprendizado, fui ampliando horizontes, respondendo questões, lendo e
entendendo melhor a vida.
Exemplificando: possuía preconceito
profundo contra polícia. Não gostava de polícia, nem bombeiro escapava. Eram
meus inimigos pessoais, enquanto instituição. Desde muito pequeno vinha
apanhando dessa gente, para poder raciocinar. Preconceito tem sua raiz na falta
de capacidade de raciocínio de sua vítima. Sim, vítima porque preconceito faz
sofrer barbaridade. Ódio é dor contida. Estava com 14 anos de idade quando me
penduraram pela primeira vez no pau de arara para me torturar. Há essa época já
era rotina bater em mim sempre que podiam. Vivi quase toda minha vida na mão
deles, sem poder de autodefesa algum, sempre à mercê e à disposição para que
fizessem o que quisessem comigo. Nunca tiveram qualquer consideração pelo fato
de eu ser humano como qualquer um deles. Ainda agora, pelo fato de haver sido
preso, se me param tenho que dar explicações e elas podem não serem bem
aceitas.
Quando minha mãe morreu e eu ainda
preso, me assustei. Era recém casado (casei e descasei ainda preso) e minha
companheira tinha Renato, meu primeiro filho, com 10 meses ainda. Ela era
frágil, recém chegada do interior da Bahia e o bairro em que moro estava
pegando fogo. Justiceiros, traficantes e ladrões disputavam o espaço. As
pessoas estavam sendo mortas ao saírem na porta de casa. Também eu quis que as
leis e a polícia protegessem minha pequena família. Estava impossibilitado de
olhar por eles. Só então pude entender, de coração, esse engano pessoal e me
libertei de mais esse preconceito. Percebi que a gente não deve ser contra a
instituição policial por conta dos maus policiais. É necessário que sejamos a
favor, mas fazendo parte. Atentos, criticando o que esta errado e exigindo,
cobrando: punição, correção e acertos.
Essa releitura ajudou a firmar minha
cidadania, meu compromisso assinado com a coexistência social. Eu havia me
libertado de um preconceito e todo preconceito é limitador de vivências. Havia
me expandido pessoalmente. Apreender é tomar posse de conhecimentos que nos
levarão para além do que somos. E desse aprendizado restou a idéia de que para
expandir é preciso conhecer e para conhecer é preciso entrar no jogo. Liberdade
é sim processo coletivo; é preciso fazer parte. Somos o que apreendemos e
apreender é expandir, libertar-se de ignorar. Sou todos que fui em camadas
sobrepostas e que não há limites à minha expansão e portanto à minha liberdade.
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